Daniel era considerado um "ET" em sua turma. Todos os garotos
adotavam um determinado time como seu. Daniel não. Vinicius, seu
melhor amigo, não suportava isso.
- Daniel, já sabe qual seu time?
- Não tenho!
- Por quê?
- Por que tenho que ter um time?
- Todos têm. Pega mal não ter.
- Por que pega mal?
- Porque parece que não gosta de futebol, gosta de outras coisas...
- Mas eu adoro futebol!
- Já sei... Só torce pela seleção brasileira...
(risos gerais)
- Quem não torce?
Sempre nas segundas-feiras, o papo entre os meninos da turma girava em
torno do sucesso ou fracasso de seus times, e mais ainda, no fracasso
dos times rivais dos amigos... O sucesso de seu time fazia do garoto um
ser especial, quase um super-homem. Já o torcedor do time derrotado
se sentia nas últimas, um ser inferior, condenado a uma existência
medíocre. Escondia-se pelos cantos e evitava o contato com os "vencedores".
Daniel, alheio a tudo isso, ficava na sua, acompanhando acalorados e intermináveis
debates, porém participando eventualmente com análises frias
e objetivas sobre o jogo e as chances de cada time no campeonato. Os garotos
sentiam falta de uma paixão maior do Daniel no esporte. Queriam
fogo e ele lhes devolvia cinzas.
- Meu time perdeu feio! Está ferrado pelo resto do campeonato!
Acabou tudo! Jogou de forma tosca!
E lá vinha o Daniel...
- Bem, seu time perdeu porque o lateral direito foi substituído
antes da hora e a zaga não cobriu o setor. Além disso, os
volantes não passavam do meio de campo e não tinham a quem
passar no ataque.
- Mas ele foi goleado! Destruído! Não jogou nada! Tem que
sair todo mundo!
- Sim, mas ainda tem chances matemáticas de conseguir vaga para
as Libertadores.
- Odeio aquele goleiro! Frangueiro! Deixou passar todas!
- As maiores falhas foram do zagueiro central que estava lento e deixava
que os atacantes se posicionassem como quisessem para os cruzamentos.
Ele sim deveria ser substituído. O goleiro não podia fechar
o ângulo com atacantes desmarcados em cima dele.
- Mas ele é o capitão do meu time! Tinha um bandeirão
dele na arquibancada! É o líder! Que leva o time à
frente!
- Acho que o bandeirão tem mais velocidade que ele.
Mas tinha seu lado bom. Daniel assistia aos jogos sem se assustar. Sem
tomar partido. A bola alçada na grande área que fazia parte
da torcida levantar em expectativa e outra parte querer fechar os olhos,
era analisada pelo Daniel em termos de trajetória, posicionamento
da zaga e dos atacantes, era capaz de dizer com o tempo, se era uma jogada
ensaiada ou não. Antevia substituições, sem jamais
se levantar, sem jamais socar o ar, nem a cadeira. Daniel era crítico.
Só.
Já Vinicius se descabelava. Chegava exaurido. Discutia com os demais
com convicção e paixão. Falar mal de seu time era
ofensa pessoal. Sabia todas as formas de ridicularizar os rivais. E nestas
discussões entre os garotos eles iam tecendo laços de amizade
e sentimentos de grupo. Vinicius vestia a camisa de seu time, fazia apostas
e se divertia com tudo isso.
E assim se passavam os dias. No calor das discussões continuava
o Daniel com suas análises matemáticas e frias de bom conhecedor
do esporte, mas sem paixão. Até que um dia Vinicius percebeu
que faltava ao Daniel a emoção única de ser um torcedor,
para que ele finalmente entendesse esta sensação maravilhosa
de ter de uma paixão em comum com pessoas conhecidas (e absolutamente
desconhecidas). De gritar, de não poder dormir, de acordar aflito
ou simplesmente feliz da vida por causa de uma vitória. Vinicius
sabia que ter um time de futebol ajudava qualquer um a se posicionar,
a ter algo a se segurar quando todo o resto não fazia muito sentido.
Daniel era seu melhor amigo. Resolveu insistir.
- Daniel, por que você não torce pelo time de seu pai, por
exemplo?
- Já te falei que não torço por time nenhum!
- Mas explica aí, vai... Sei que tem algo... Sou seu melhor amigo!
- Não conta para ninguém?
- Pode deixar.
- É que (olhos começaram a encher de lágrimas, Daniel
ficou com vergonha)... Bem... Quando era pequeno e estava na fase de escolher
o time, meu pai me levou ao estádio e eu fiquei muito feliz. Pouco
saía com meu pai. Só que o time dele perdeu. Ele ficou muito
triste. Na saída encontramos com um amigo dele que apontou para
mim e disse que eu era o pé-frio que tinha secado o time e o feito
perder. Meu pai entrou na pilha. Fiquei arrasado, comecei a chorar. Disse
a ele que nunca iria torcer por time nenhum. E assim estou até
hoje.
- Puxa Daniel... Isso não se faz... E teu pai o que ele fala?
- Diz que foi uma brincadeira idiota que não vai mais fazer isso,
mas mesmo assim isso sempre me deixa triste.
- E você torceu por algum time aquele dia?
- Eu... err...
- Torceu não torceu?
- Sim
- O que você achou?
- Achei... Maravilhoso! (Daniel se assusta com que ele mesmo diz e fica
quieto)
Vinicius reagiu surpreso. Mas em um instante entendeu o que tinha ocorrido.
- Acho o seguinte, você preferiu fazer isso porque descobriu lá
no estádio que torcia mesmo para o time que venceu aquela partida,
né? Ficou fascinado pelo que viu e acabou torcendo pelo rival de
seu pai e achou que se ele descobrisse iria ficar muito magoado contigo.
- Sim... Quando me disseram que eu era pé-frio isso me corroeu
por dentro... Senti-me um traíra... Responsável pela derrota
do time de meu pai... Sei lá... Maluquice...
- Você não foi traíra! Você foi um vencedor!
Seu time venceu!
- Cara... Vendo por este lado... Acho que é isso mesmo. Mas, o
que faço?
- Você tem um time sim, Daniel! Ele é seu. Você é
sua torcida. E nada neste mundo vai retirar isso de você!
Daniel refletiu e entendeu. Todo seu distanciamento era uma máscara
para ocultar algo que o entristeceu e o marcou lá na infância.
- É isso aí, cara! Você tem razão! De agora
em diante assumo sim que sou da torcida do *....................... e
só eu tenho a ver com isso! Não vou ter medo de ser feliz!
E meu pai vai ver que sempre serei um pé-frio sim. Do time dele!
- Ahahahahaha!
- Ahahahahaha!
- Vamos lá jogar bola?
- Vamos! Ontem! Mas vou com a camisa de meu time!
- E eu também!
* - Espaço para o leitor escrever seu time ou colar um adesivo.
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